Vivendo em grandes centros urbanos, é seguro afirmar que a maior parte dos sons que nos rodeiam são acidentais e, em sua maioria, pouco prazerosos. Segundo Julian Treasure, presidente da Sound Agency, os sons podem nos impactar de diversas formas: fisiologicamente, psicologicamente, cognitivamente e comportamentalmente, chegando a alterar a produtividade em espaços de trabalho e até as vendas de comércios e lojas. Como resposta a isso, o cuidado com o conforto acústico nos ambientes que frequentamos é uma atribuição não somente do engenheiro contratado, mas também do arquiteto responsável pelo projeto.
Assim como já foi discutido neste artigo, a qualidade acústica interna depende de quão bem as fontes de som são controladas. Ruídos externos, internos, de impacto e de equipamentos são transmitidos através do ar ou da textura dos materiais no projeto. A maneira que o ouvido humano percebe o som depende diretamente dos níveis de reverberação e absorção desses materiais. Neste artigo vamos explorar diferentes projetos de arquitetura de interiores e variadas formas de aplicar materiais acústicos, buscando entender quais as opções disponíveis e quais as formas de aplicação.
Primeiramente é importante entendermos que, assim como explorado neste outro artigo, todos os materiais têm alguma atuação acústica, seja de reverberação, seja de absorção. Dessa forma, todas as superfícies de um espaço têm impacto no conforto acústico do ambiente, sejam elas pisos, tetos, forros e paredes, sejam objetos como mesas, cadeiras, bancos, quadros e até mesmo as pessoas que ali estão. Dessa forma, podemos organizar as estratégias acústicas em grupos, aqueles aplicados em paredes, em pisos, nos forros e em objetos decorativos. Essas estratégias não são aplicadas individualmente e são utilizadas de acordo com a necessidade do ambiente.
Por exemplo, espaços fechados e muito cheios, com pessoas conversando, como restaurantes, exigem muito cuidado acústico. O Restaurante Barril de Paulo Merlini arquitetos, por exemplo, utiliza um acabamento no teto composto de ripas de madeira de pinho, afastadas 20mm umas das outras, e na parte superior, há um material de absorção acústica. Essa solução reduziu o ruído de reverberação em mais de 80% no restaurante. Além disso, as outras superfícies do restaurante também são em sua maioria de madeira e tijolos, que apresentam boa relação acústica.
Neste outro restaurante, Restaurante kOi / box: arquitectos, entretanto, os materiais utilizados são mais reflexivos, como pedras e porcelanatos, e a solução acústica não está presente em elementos construtivos, mas sim em objetos, como nas almofadas dos assentos e nas escamas decorativas na parede. Essa ideia de utilizar um objeto como proteção acústica também é vista na Oficina de Aprendizagem de Moda Zadkine de Krill-Office for Resilient Cities and Architecture, que opta por incluir cortinas de feltro nos espaços de trabalho para isolar os trabalhadores e estudantes e ajudar a diminuir o ruído das máquinas e pessoas, sem perder a coletividade do espaço.
Outro programa onde a acústica é uma questão primordial são os escritórios e espaços de trabalho, ainda mais com o conceito de “open space” tão amplamente utilizado hoje em dia. Esses escritórios costumam usar de estratégias em todas as superfícies possíveis. O Centro de Tecnologia de Edificações do Superlimão usa os acabamentos das paredes, tetos e pisos buscando o conforto acústico, misturando materiais sintéticos com outros naturais, como a madeira. Para cada espaço, uma demanda e para cada demanda, uma solução acústica. Nas salas de reunião, onde também se fazem conferências, os arquitetos optaram por acabamentos acústicos nas paredes, enquanto que nos amplos espaços de trabalho com várias pessoas, o tratamento é feito nos pisos e nos tetos.
Já neste outro projeto do Superlimão, o Escritório Populos, os mesmos elementos de forro são utilizados como divisórias de espaços de trabalho, uma solução delicada e que traz interesse visual para o interior. Por outro lado, nos grandes espaços de trabalho, como as salas open-space que concentram uma grande quantidade de mesas com pessoas trabalhando, as soluções costumam envolver forros no teto, que também podem se tornar um elemento de identidade visual do espaço, como é o caso do Dentsu Aegis Network da DMDV, que usa um forro tipo nuvem hexagonal no espaço de pé-direito duplo.
Para além das estratégias com elementos acústicos, a configuração das plantas é também um importante artifício de projeto para controlar os ruídos. Neste projeto dos Escritórios OLX / Pedra Silva Arquitectos, foram criados módulos com diversos programas que permitem que haja um maior controle acústico nas zonas de trabalho em open-space. Além disso, também foram incluídos materiais acústicos nos forros, pisos e paredes. Segundo Julian Treasure, escritórios com open-plan sem tratamentos acústicos adequados podem ter queda de produtividade de até 66%, além de que é insalubre trabalhar em espaços que sejam abarrotados de sons dispersos e ensurdecedores, então, é importante que os espaços de trabalho tenham uma preocupação extra com tratamentos acústicos, criando uma variedade de possibilidades, dos espaços individuais aos espaços coletivos.
Quando pensamos em conforto acústico, primeiramente nossos raciocínios se voltam a lugares como restaurantes e escritórios, tanto pelo volume de pessoas, quanto pela configuração de uso. Há, porém, lugares que precisam ser trabalhados acusticamente não somente para melhorar os espaços internos, mas por que têm como principal função serem acústicos, como é o caso da Escola Infantil Rockery for Play—Poly WeDo Art Education / ARCHSTUDIO que usa tanto a geometria das salas, feitas com marcenaria, quanto a lógica dos materiais, para propor salas de música para os alunos. Outro projeto que usa de geometria e das regras de reflexão da madeira para garantir um espaço eficiente acusticamente é o The Suit da AnLstudio, um centro de convenções que precisa se adaptar a diversos usos diferentes e maximizar os sons internos. Para isso eles criaram um forro de madeira recortado que reflete e garante o bom funcionamento da sala.
Enfim, nos projetos acima vimos uma série de materiais sintéticos industrialmente fabricados para resolver o conforto acústicos dos lugares, a combinação desse material com a madeira, outro material muito utilizado acusticamente e até vidros anti-ruídos utilizados estrategicamente para refletir e isolar o som, mas é difícil encontrar projetos que usem de materiais naturais rústicos para resolver a acústica, que é o caso do Projeto de Interiores do Home Theater da Sfurna Designs, que faz uso de tijolos perfurados fabricados localmente somados à técnicas vernaculares locais para alcançar a condição acústica desejada. Além dos tijolos rústicos, também utiliza painéis de madeira e pisos e forros absorventes.
O domínio do conforto acústico é importante em qualquer tipo de projeto, desde grandes ambientes de trabalho até um quarto de casal. Isolar os sons exteriores e conduzir os sons internos é um desafio que se atende tanto com desenho e projeto, quanto com materiais, sejam naturais ou aqueles especializados disponíveis no mercado. Se inspirar a partir das práticas conhecidas é um primeiro passo para aplicar nos projetos do dia a dia técnicas que melhoram não só a arquitetura, mas principalmente a qualidade de vida daqueles que a habitam.
Referência bibliográfica:
TREASURE, Julian. 2009. The 4 ways sound affects us. TED TALKS.